MEIO AMBIENTE- ESTADO RESPONSÁVEL EM POLITICA PÚBLICA

fogo floresta

 

Incontáveis são os danos causados pelo Poder Público, por ação ou omissão, direta ou indiretamente, ao meio ambiente, danos estes decorrentes da  ausência da elaboração e implementação de políticas públicas na área ambiental, ocasionando:

a) a poluição de rios e corpos d’água pelo lançamento de efluentes, esgotos urbanos e industriais sem o devido tratamento;

b) a degradação de ecossistemas e áreas naturais de relevância ecológica;

c) o depósito e a destinação final inadequados de lixo urbano;

d) o abandono de bens integrantes do patrimônio cultural brasileiro.

Dispõe o § 3°, do artigo 225 da Constituição Federal, que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente, sujeitarão os infratores, pessoas naturais ou jurídicas, a sanções penais e administrativas independentemente da obrigação de reparar os danos causados, restando evidente que a responsabilidade das pessoas naturais ou jurídicas está garantida constitucionalmente.

Em relação à Administração Pública, o tema também é tratado, no capítulo ‘Da Administração Pública’, artigo 37, § 6° da Constituição Federal, ao consignar que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. O que a Constituição distingue, com efeito, é o dano causado pelos agentes da Administração pelos danos causados objetivamente, cobrindo o risco administrativo da atuação ou inação dos servidores públicos.

Surgiu pela primeira vez no Brasil a responsabilidade civil objetiva por dano ambiental através do Decreto no. 79.347, de 20-03-77 que promulgou a Convenção Internacional sobre responsabilidade civil em danos causados por poluição por óleo, de 1969. Em seguida, foi promulgada a Lei no. 6.453, de 17­10-77, que, em seu artigo 4°, caput, acolheu a responsabilidade objetiva relativa aos danos provenientes de atividade nuclear.

 

A  responsabilidade civil objetiva por danos ambientais foi consagrada na Lei nº. 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional de Meio ambiente, que expressa no artigo 14, parágrafo 1º.

“Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, efetuados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente”.

Existe, ainda, o questionamento sobre a natureza jurídica da responsabilidade administrativa, ou seja, se é responsabilidade civil objetiva por risco ou por risco integral. A responsabilidade civil objetiva por risco administrativo admite as excludentes de culpa da vítima, caso fortuito, força maior e fato da natureza. A responsabilidade civil por risco integral não admite causas excludentes de responsabilidade.

No regramento constitucional, a responsabilidade civil do Estado por danos provocados liga a responsabilidade à ação estatal através de seus agentes, não existindo na Constituição previsto qualquer tipo de dano provocado por caso fortuito, força maior, fato de natureza ou atos predatórios de terceiros, tão somente danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, não havendo nenhuma restrição.

Conforme disposto no artigo 225 da Constituição, é dever do Estado – do Poder Público- preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover atuantemente, comissivamente, sobre um ambiente ecologicamente equilibrado que é considerado de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se sua defesa ao Poder Público e à coletividade.

O Estado deve agir através de seus órgãos ambientais de forma eficaz atuando em defesa do meio ambiente para evitar sua degradação, utilizando de todos os instrumentos à sua disposição e usar do poder/dever de polícia ambiental.

Na seara ambiental, o agir administrativo está permeado de deveres de conservação do ambiente natural, impostos pela ordem constitucional vigente e também pela legislação infraconstitucional recepcionada (como é o caso da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, Lei Federal no. 6.938/81) e editada em conformidade com a Constituição de 1988. Essas previsões constitucionais e ordinárias têm comando coercitivo condizente com a garantia de sua observância pelo governante e possibilita o controle de seus atos.

Em que pese ocorrer o cumprimento espontâneo das normas no meio social, não se pode duvidar da possibilidade de sua inobservância, surgindo a necessidade da coercibilidade disposta nas regras jurídicas de direito objetivo.

A formulação de políticas públicas relativas ao meio ambiente compete ao Poder Legislativo que, em síntese, representa a vontade do povo, formulando as diretrizes a serem seguidas. Por sua vez, compete ao Poder Executivo a sua execução e a implementação. Assim, não compete ao poder Judiciário a formulação de políticas públicas ambientais.

Um dos aspectos mais importantes da participação da sociedade na proteção do meio ambiente é o controle da Administração Pública, por intermédio do Poder Judiciário exercido diretamente, quando o cidadão ingressa com a Ação Popular ou através do Ministério Público, o qual representa institucionalmente os interesses da sociedade, quando constatada a ineficiente implementação de políticas públicas para garantir a higidez ambiental e a saúde da população, socorrendo-se, nesta hipótese, ao Poder Judiciário para garantir o exercício efetivo desse direito.

Sobre a celeuma da Partição do Poderes, vem sendo superada nos Tribunais, uma vez que a Constituição não estabeleceu um sistema radical de não interferência entre as diferentes funções do Estado.  Nesse aspecto, José Afonso da Silva:

“De outro lado, cabe assinalar que nem a divisão de funções entre os órgãos do poder nem sua independência são absolutas. Há interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados”.

Nesse sentindo, quando ocorrem omissões do Poder Público na execução de políticas públicas relativas ao meio ambiente, a sociedade tem no Poder Judiciário a sua salvaguarda, significando que compete ao Poder Judiciário, por meio de ações judiciais, determinar que o Estado adote medidas de preservação ao meio ambiente, como a implantação de sistema de tratamento de esgotos ou de resíduos sólidos urbanos ou, ainda, a implantação definitiva de espaço territorial protegido, já instituído por norma, ou a preservação de um bem de valor cultural.

Neste diapasão:

“Acordão Origem: TRIBUNAL – SEGUNDA REGIÃO
Classe: AC – APELAÇÃO CIVEL – 208164
Processo: 199902010386649 UF: RJ Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA. Data da decisão: 24/02/2003 Documento: TRF200097772 Fonte DJU DATA: 25/03/2003 PÁGINA: 45 Relator(a) JUIZA REGINA COELI M. C. PEIXOTO. Decisão. A Turma, por unanimidade, deu parcial provimento aos recursos, nos termos do voto do(a) Relator(a).

Ementa. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO AMBIENTAL. TODOS TÊM DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. DIANTE DA INÉRCIA DO PODER PÚBLICO EM ATENDER O MANDAMENTO CONSTITUCIONAL, CABE AO PODER JUDICIÁRIO ASSEGURAR O SEU CUMPRIMENTO.

– O Ministério Público Federal ajuizou a presente ação pública em face da COMPANHIA ESTADUAL DE ÁGUAS E ESGOTOS – CEDAE e do ESTADO DO RIO DE JANEIRO, visando impedir a poluição do rio Paraíba do Sul que ocorre pelo despejo de esgoto in natura, buscando providências no sentido de que sejam realizadas obras para que se restabeleça o equilíbrio ambiental e seja resguardada a saúde pública.

– A Constituição Federal assegura, em seu artigo 225, que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

– Diante da inércia da Administração Pública, em relação ao disposto no texto constitucional, é óbvio que cumpre a qualquer um da coletividade assegurar o cumprimento da norma, não existindo a ofensa ao princípio do equilíbrio entre os poderes.

– Não há qualquer extrapolação do Poder Judiciário em relação às atribuições constitucionais do Poder Executivo, visto que através do presente feito, o Ministério Público Federal, na qualidade de fiscal da Lei, vem, tão-somente, requerer o cumprimento daquilo que foi deliberado pela Assembléia Nacional Constituinte.

– Padece de fragilidade o argumento de que o Governo Estadual do Rio de Janeiro encontra-se em má situação financeira, eis que tal não constitui argumento juridicamente relevante, pois, se assim fosse, não haveria processo de execução, uma vez que todos os executados alegariam insuficiência de recursos.

– Recursos parcialmente providos para condenar a COMPANHIA ESTADUAL DE ÁGUAS E ESGOTOS DO RIO DE JANEIRO e o ESTADO DO RIO DE JANEIRO a realizar o detalhamento do Projeto de Estação de Tratamento para despoluição do Rio Paraíba do Sul no trecho assinalado no processo, no prazo de noventa dias, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Finda a fase de planejamento, deve-se imediatamente iniciar-se a obra, sob pena da multa acima cominada a cada dia de atraso, respeitando o prazo final apurado para a entrega da obra, sob a mesma pena. Data Publicação 25/03/2003.

Acordão Origem: TRF – PRIMEIRA REGIÃO
Classe: AG – AGRAVO DE INSTRUMENTO – 200601000192919
Processo: 200601000192919 UF: PA Órgão Julgador: SEXTA TURMA. Data da decisão: 30/4/2007 Documento: TRF100254615 Fonte DJ DATA: 13/8/2007 PÁGINA: 78 Relator(a) DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, Decisão. A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento.

Ementa. PROCESSUAL CIVIL, ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. ILHA DE ALGODOAL/MAIANDEUA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL. TUTELA PROCESSUAL-CAUTELAR DO MEIO AMBIENTE (CF, ARTIGO 225, CAPUT). IMPLEMENTAÇÃO DE MEDIDAS DE PRESERVAÇÃO. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.

I – No caso, em se tratando de ação civil pública, cujo objeto seja o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, consistente na coleta seletiva e destino adequado de resíduos sólidos lançados na área de preservação ambiental, bem como na implementação de medidas necessárias à preservação ambiental, o juiz poderá determinar a adoção dessas medidas de preservação, em sede de antecipação de tutela, inclusive, com a fixação de prazo e a imposição de multa diária, no caso de descumprimento.

II – A tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, artigo 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação) e a conseqüente prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada), exigindo-se, inclusive, na forma da lei, a implementação de políticas públicas voltadas para a prevenção de potencial desequilíbrio ambiental, como na hipótese dos autos.

III – Se a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, no Brasil (Lei nº 6.938, de 31.08.81) inseriu como objetivos essenciais dessa política pública “a compatibilização do desenvolvimento econômico e social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico” e “a preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida” (artigo 4º, incisos I e VI), há de se entender que o princípio do poluidor-pagador busca, sobretudo, evitar a ocorrência de danos ambientais e, só no último caso, a sua reparação.

IV – Agravo de instrumento desprovido.

Data Publicação 13/08/2007”.

Sendo assim, o Judiciário ao analisar atos executivos, certamente não pode substituir a vontade do administrador pela sua vontade, restando, apenas adequar a atuação administrativa aos preceitos da ordem jurídica, invalidando atos eventualmente violadores de normas cuja observância é obrigatória ou assegurando direitos constitucionalmente garantidos a proteção do meio ambiente.

Considerações finais

A Constituição de 1998 estabelece inúmeros direitos e garantias individuais, coletivas, sociais, sócio-ambientais, estando, portanto, o Estado Social de Direito brasileiro comprometido com a realização dessas finalidades, não podendo o Poder Público afastar-se desta missão, qual seja, a de concretizar estes os direitos através da implementação de políticas públicas adequadas.

Portanto, na  sociedade  atual  e  democrática, o foco de decisão deslocou-se para o Executivo diante da emergência de prestação de serviços públicos à população mediante políticas públicas e da necessidade de intervenção do governo na regulamentação da economia. Ocorrendo inércias do Executivo e das regulamentações legislativas para assegurar os direitos e garantias, o Poder  Judiciário é  indispensável, atuando de forma que se  supram as omissões dos outros poderes  através dos instrumentos jurídicos previstos constitucionalmente.  Assim,

“os tribunais judiciários mostram-se geralmente relutantes em assumir essas novas e pesadas responsabilidades. Mas a dura realidade da história moderna logo demonstrou que os tribunais – tanto que confrontados pelas duas formas acima mencionadas do gigantismo estatal, o legislativo e o administrativo – não podem fugir de uma inflexível alternativa. Eles devem, de fato escolher uma das duas possibilidades seguintes:

a) permanecer fiéis, com pertinácia, à concepção tradicional, tipicamente do século XIX, dos limites da função jurisdicional, ou

b) elevar-se ao nível dos outros poderes, tornar-se enfim o terceiro gigante, capaz de controlar o legislador mastodonte e o leviatanesco administrador”.

Para deixar tudo como está, ou sedimentar situações que assegurem aos detentores do poder a degradação do meio-ambiente, quer por especulação econômica, quer por estagnação e ausência da atuação do Poder Público, variedades de argumentos são fortemente defendidas, tais como a separação de poderes, falta de legitimidade democrática, discricionariedade administrativa ou falta de previsão orçamentária.

Consequentemente, isso não pode prevalecer para sedimentar a negação de direitos assegurados pela Carta Constitucional. Infere-se, a toda evidência, a necessidade do controle da Administração Pública para que as Políticas Públicas que efetivamente garantam que a democracia e os direitos fundamentais ao meio ambiente sadio para as gerações presentes e futuras e da saúde pública ambiental sejam efetivamente implementadas.

O avanço da sociedade contemporânea e democrática no Brasil produziu um ordenamento jurídico cuja finalidade é a transformação social, estando, também submetidos a ele, os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. O Poder Público tem o dever de agir para alcançar os objetivos e metas determinadas em normas constitucionais e infraconstitucionais, em matéria ambiental, não tendo o administrador público a seu alvitre e bel prazer a escolha do momento mais conveniente e oportuno para implementação de medidas de proteção e preservação do meio ambiente.

Quando ocorrer omissão, negligência, descuido, esquecimento do Poder Legislativo e Executivo em obedecer à diretriz constitucional de concretização dos direitos fundamentais, é imprescindível o controle judicial das Políticas Públicas através do Poder Judiciário.

 FONTE: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4727

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